Resistência e Fé: O preconceito contra as religões Afro-brasileiras
O que você precisa saber sobre preconceito com religiões de matrizes africanas.
Existe uma delicadeza em falar sobre o preconceito existente em nosso país, já que, infelizmente demorou para ser configurado como estado laico, e devido a este atraso, blocos culturais ainda se negam a dar espaço e voz para as religiões diferentes do Cristianismo. O Brasil se tornou, oficialmente, laico em 1889 e mesmo após esse período houve muita resistência e opressão, principalmente vinda da constituição onde o haviam representantes do cristianismo. Por outro lado, os praticantes das religiões de matrizes africanas sempre souberam lutar e resistir nesta árdua batalha contra o preconceito, e neste estudo elaborado por mim, iremos conhecer e identificar os pontos mais importantes numa guerra que, até então, sem fim!
Entenda comigo até onde vai o preconceito com religiões de matrizes africanas
Como apresentado aqui anteriormente, um país laico deveria possuir opiniões diversificadas e positivas a respeito das religiões, mas infelizmente, graças ao eurocentrismo ocorre exatamente ao contrário. Devido a introdução de ideias eurocêntricas na mente da população desde cedo, as religiões como a Umbanda ou Candomblé são demonizadas e inseridas em aspectos negativos da sociedade, como por exemplo a introdução ou comparação de identidades demonizadas existentes apenas em religiões católicas.
Além disso, poucas escolas hoje, buscam a integração dos jovem em formação, em temas como inclusão religiosa e diversidade de cultural, e pode ocorrer sim, a educação exibir os pontos mais fortes do desenvolvimento religioso e a importância da mesma para uma construção de opiniões, mas esse tipo de informação é passado com um objetivo de apagar ou até mesmo distanciar a imagem religiosa de matriz africana em nosso país. Muitos jovens que ainda se encontram em formação saem de casa com orientações religiosas influenciadas pelos pais/responsáveis, sabe aquele famoso ditado: “Filho de peixe, peixinho é”, então, o jovem que recebe uma formação preconceituosa trazidas de seus pais, leva essa mesma ideia para uma situação dentro da escola e é de suma importância ter profissionais (professores) capacitados a expandir o leque de informações e conhecimento para que esse jovem possa fugir da bolha atribuída pelos seus responsáveis, de forma saudável. As escolas podem e devem orientar os alunos sobre a importância do conhecimento da diversidade religiosa em nosso país, podendo até mesmo despertar interesse, de forma autônoma, e manifestar a sua fé por quaisquer religiões.
Outro ponto forte sobre esse preconceito imposto nas religiões de matriz africanas se dá pelo fato de existirem poucos relatos inseridos em livros, filmes ou séries, que trás uma imersão diferente na questão de expandir e compartilhar conhecimentos culturais com outras pessoas. Devido a questões raciais sofridas ao longo dos anos, nossos conhecimentos foram perdidos com o tempo e o que temos hoje são fragmentos de anos de escravidão e submissão. Apesar de existirem poucas, as obras presentes em nossa literatura não são valorizadas, então para que você possa criar uma identidade própria repleta de diversidade e opiniões sobre o tema, segue abaixo a listagem das obras mais impactantes (na minha opinião) sobre o tema debatido:
- Antes de nascer o mundo - Mia Couto
“Jesusalém, ermo encravado na savana, em Moçambique, abriga cinco almas apartadas das gentes e cidades do mundo. Ali, ensaiam um arremedo de vida: Silvestre e seus dois filhos, Mwanito e Ntunzi, mais o Tio Aproximado e o serviçal Zacaria. O passado para eles é pura negação recortada em torno da figura da mãe morta em circunstâncias misteriosas. E o futuro se afigura inexistente. Silvestre afiança aos filhos e ao criado que o mundo acabou e que a mulher - qualquer mulher - é a desgraça dos homens. Mas um belo dia os donos do mundo voltarão para reivindicar a terra de Jerusalém. E não só isso: uma bela mulher também virá para agitar a inércia dos dias solitários daqueles homens. Mia Couto é um dos maiores expoentes da literatura africana de expressão portuguesa. Moçambicano e amante confesso da escrita inventiva do brasileiro Guimarães Rosa, ele é um artista investido do poder mágico e poético das palavras. Mas é da alma do povo de seu país, bela, trágica, alegre, sofrida, enigmática, que este poeta da prosa extrai seu ouro universal. Em Portugal, Moçambique e Angola o livro recebeu o título de Jesusalém.”
- Exu: um Deus Afro-atlântico no Brasil - Vagner Gonçalves da Silva
“Exu é o deus africano mais saudado no mundo afro-atlântico. Seu culto, entretanto, não é homogêneo. Resulta de um longo processo histórico de conflitos, trocas, diálogos, negociações, imposições e resistências entre diversos sistemas cosmológicos que entraram em contato na confluência das culturas africanas, europeias e americanas. Este livro se propõe fornecer alguns pontos de vista por meio dos quais seu culto no Brasil pode ser caracterizado, em especial no candomblé e na umbanda, as duas denominações mais conhecidas entre as religiões de origem africana, e analisar sua apropriação pelas denominações cristãs — primeiro pelo catolicismo e, mais recentemente, pelo neopentecostalismo. O livro conta ainda com a mitologia afro-atlântica de Exu, na qual são compilados 183 mitos dessa divindade, identificados em textos acadêmicos e de divulgação religiosa, além de três anexos que trazem a iconografia, filmografia e musicografia de Exu.”
- Teologia negra: O sopro antirracista do espírito - Ronilso Pacheco
“Neste livro que já se tornou uma obra de referência, o autor apresenta uma introdução contundente à teologia negra, cuja origem remonta à década de 1960, na África, nos Estados Unidos e no Caribe. Vinculada às lutas antirracistas e à segregação racial, é uma resposta do povo negro a uma teologia imposta como única e universal. Enraizada na narrativa histórica do Êxodo, é interpretada não apenas como um evento de libertação física, mas também como uma metáfora holística para a libertação espiritual e social.Definindo-a, mapeando-a e detalhando a concepção de seus principais pensadores até chegar efetivamente a uma teologia negra produzida no Brasil, Ronilso Pacheco nos oferece elementos para ampliar o debate sobre os legados da escravidão e a forma como o racismo opera, mostrando, sobretudo, que a contribuição da teologia negra para pensar o mundo atual continua poderosa e relevante.”
Após a leitura das obras citadas, nota-se que irão enfatizar o seguinte aspecto: ataques e violências contra os praticantes de religiões de matrizes africanas. É possível identificar uma alusão diretamente ligada às situações decorrentes em nosso dia a dia, violência generalizada, justiça negligente, traumas, embranquecimento cultural entre outros. A ideologia escravocrata restante nos dias atuais ofusca e omite casos que a população precisa saber. Baseados nos dados fornecidos pelo portal do Disque 100, em 2020, ano de pandemia, mesmo com severas medidas restritivas, foram registrados 86 casos de intolerância religiosa contra religiões de matriz africana. Ano este, que foi considerado o ano com o menor índice de casos. Em contrapartida, no ano de 2021, este número subiu para 244 casos.
Como tudo começou
Com o início da opressão e subjugação dos europeus em cima dos povos africanos, tudo que era proveniente da cultura negra era visto como um erro, então, além dos povos africanos serem escravizados e utilizados como mão de obra, as suas identidades foram apagadas. Práticas religiosas de matrizes africanas eram proibidas em território colonizador e em contrapartida, as crenças católicas eram submetidas aos escravos, como um gesto de purificação. Durante todo o período de colonização, o preconceito aplicado pelo europeus devastou toda a construção histórica das religiões de matrizes africanas e fez com que muitos escravos, de fato, aceitassem as ofertas de conversão a igreja católica, e esses negros eram chamados Aculturados. Os negros aculturados são aqueles que abandonam por completo toda a sua história e adota como estilo de vida a vivencia dos povos colonizadores, e esse tipo de situação só itencifica o racismo sob todos os demais negros já que é gerado uma rivalidade entre os próprios negros do território. Para entender melhor essa vertente do tema, aconselho que assista o filme: Django Livre do Quentin Tarantino, é uma obra que retrata exatamente a vida de um negro aculturado.
Ainda que existiam negros que se submetiam a cultura colonizadora, existiam também negros que aceitavam as práticas adotadas pelos colonizadores sem abandonar as suas origens, e estes eram chamados de Assimilados, o que de certa forma, era o método mais eficiente e menos mortal para uma resistência religiosa e cultural. Vale ressaltar que durante todo o processo de opressão no Brasil, existiam dois pontos muito importantes para a implantação das religiões de matrizes africanas, sendo eles: A assimilação que já foi explicada anteriormente e o Sincretismo Religioso que iremos ver a seguir.
O que foi o Sincretismo Religioso no Brasil
Para uma melhor definição, o sincretismo nada mais é que a fusão de diferentes crenças para a formação de uma nova, que ainda assim mantém traços de base utilizados. Com a vinda dos negros africanos e escravos para o Brasil, muitos mativeram as suas crenças originadas em seus países de origens (não somente a religioes de matrizes africanas), e na junção desses povos em um ambiente de colonização era comum, no anoitecer, a prática de rituais religiosos entre os escravos, e muitos acabavam se envolvendo ou se interessando pelo o que era visto. O sincretismo não existiu para apagar ou invalidar as culturas dos demais povos, mas sim com o objetivo de agregar e firmar uma base em nosso país. Quero deixar claro que o intuito desta pesquisa é para que entendam: Com opressão dos europeus em cima dos povos escravizados criaram-se os aculturados e assimilados, já a interação entre os diferentes povos escravizados criaram-se o que chamamos de Sincretismo Religioso. Veja abaixo um pouco das principais religiões firmadas em nosso país:
- O candomblé, religião afro-brasileira que usa como base ideologias de religiões africanas e a fusão do catolicismo e espiritismo;
- A umbanda, é a religião brasileira que desenvolvida através das mesmas ideologias africanas, catolicismo e espiritismo;
Reparou nos tópicos acima a semelhança e diferenças citadas? Isso se dá pois são frutos do sincretismo no Brasil, e vale ressaltar que o candomblé cultuado em nosso país hoje não é o mesmo cultuado nos países da África, mesmo tendo entidades ou ideologias parecidas, são consideradas religiões distintas.
Existe um verso de uma música do Baco Exu do Blues, chamada Bluesman que diz “Tudo que quanto era preto era do demônio E depois virou branco e foi aceito, eu vou chamar de blues…”, pode ser um pouco radical o que vou citar agora, mas quero apenas que entendam com mais imersão no tema; Não existe religião que exclua ou afaste uma determinada pessoa pela cor ou etnia, a religião existe para cultuar a sua fé, nada mais. Mas pode-se dizer que com o passar dos anos as religiões que matrizes africanas, que aqui presentes, sofreram um embranquecimento para que pudessem se tornar mais acessíveis aos povos que antes, chamados de colonizadores. Infelizmente, as religiões sofreram o sincretismo para que hoje ganhassem mais espaço e aceitação pelas diferentes regiões do país e também se tornassem características de uma cultura já implantada no Brasil.
Religiões afro-brasileiras na atualidade
Conforme os anos foram evoluindo, essas religiões foram ganhando mais espaços e consequentemente o preconceito foi aumentando, e hoje, existem lugares reservados para as práticas religiosas assim como existem ambientes propícios para as práticas católicas ou evangélicas. E a ideia central é justamente respeitar todos esses espaços sem ataques ou revoltas, o que alguns parece ser uma tarefa difícil. Entenda:
Em 2023, a casa canbomclecista Ilê Asè Airá Tolami, localizada em Salvador (BA), sofreu com casos de arrombamentos, invasões e furto repetidas vezes e até hoje, o babalorixá João Marcelo Nobre Odé Tolá e os seus filhos lutam por justiça até hoje junto da polícia civil e o Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela. Infelizmente casos como este são configurados como furtos e desconsideram a tratativa de um caso de intolerância religiosa, e dessa forma as vítimas em questão perdem o espaço e voz para lutar contra essa opressão. Veja bem, um furto qualificado por réu primário pode ter uma pena variada entre 2 a 8 anos além da multa, já um crime de intolerância religiosa, pode prever uma pena de 2 a 5 anos, sendo prorrogado em ⅓ caso seja cometido por duas ou mais pessoas juntamente da injúria racial, não caberá mais a fiança e o crime se torna imprescindível. Cabe agora, a justiça entender e configurar tais crimes de forma justa e tratar destes delitos dando suporte às vítimas que sentem na pele a opressão vinda de um longo histórico racial.
Prosperidade e axé!
Dessa forma, podemos confirmar que a luta contra o preconceito com religiões de matrizes africanas não se baseia em apenas poder cultuar a sua fé livremente, mas também para valorizar a população negra que carrega consigo a história de seus antepassados. Todos têm o direito de exigir um espaço religioso livre dos perigos identificados ao longo do texto, mas nunca esquecendo de manter uma boa comunicação, o objetivo aqui é expandir a visão de pessoas que ainda não enxergam o tema com delicadeza. Buscar transmitir a palavra, com cuidado, em ambientes de família, trabalho, amigos entre outros é um gesto primordial para enfraquecer a opressão carregada de anos em nosso país, mas atente-se ao que será falado e como será transmitido, pois promover a diversidade religiosa requer paciência.
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